As instituições de ensino A. C. S. Ltda., a L. G. Cursos Ltda. e a Fundação U. do S. de Santa Catarina obtiveram o direito de reprovar um estudante sem lhe pagar indenização por dano moral. O aluno alegava ter sido vítima de preconceito e discriminação por abordar aspectos religiosos em seu trabalho de conclusão de curso, mas as entidades conseguiram provar que a rejeição da monografia se deveu a limitações de ordem científica, investigativa e metodológica. A decisão é da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Segundo o oficial de apoio judicial A.C.R.S.J., o contrato de prestação de serviços com as empresas foi firmado em abril de 2007 e dizia respeito a um curso de pós-graduação em ciências penais a distância que concedia o título de especialista. O estudante afirma que em geral apresentava bom desempenho nas atividades, mas, na disciplina de metodologia, que exigia a elaboração de um projeto de pesquisa sob a orientação de um tutor, ele começou a ter dificuldades.
O aluno, “na busca por uma análise científica diferente do que comumente se faz”, propôs, em maio de 2008, estudar o impacto dos ensinamentos de Cristo na ressocialização de delinquentes. No entanto, o professor respondeu que alguns dos objetivos descritos no projeto não eram adequados para uma monografia e sugeriu que ele debatesse algo de caráter mais concreto, como os cultos religiosos nas prisões ou a pregação evangélica nas penitenciárias.
A. sustenta que, embora fundamentasse suas escolhas e tentasse justificar a exequibilidade e a pertinência do tema escolhido, o orientador mostrou forte oposição à ideia, recusando-se a indicar caminhos e limitando-se a criticar o trabalho, mesmo diante das contínuas modificações e reformulações do material submetido a ele. Por fim, o trabalho foi reprovado.
O estudante interpôs recurso administrativo pedindo que a nota fosse reconsiderada, mas o próprio orientador julgou a solicitação e manteve sua posição. Ele tentou convencer o professor a lhe dar uma nova chance, visto que os alunos que não cumpriram os prazos puderam fazê-lo, mas não teve sucesso. Submetendo a mesma monografia a outro módulo do mesmo curso, A. teve seu trabalho aprovado pela orientadora, com a condição de que ele retirasse os ensinamentos de Jesus do texto, os quais, conforme a professora, “careceriam de cientificidade”.
Afirmando que o primeiro tutor desestruturou-o psicologicamente e minou seu trabalho de conclusão de curso e que ele foi vítima de discriminação por sua profissão religiosa, o servidor público abriu processo contra as entidades em maio de 2009. Além de indenização por danos morais, ele pediu para ter o projeto aprovado e receber o título de especialista em direito penal ou poder submeter outro projeto.
Contestações
A Fundação U. do S. de Santa Catarina ressaltou que os critérios de avaliação eram de sua estrita competência, conforme consta do contrato firmado com os alunos. Enfatizando que o servidor público se negou a reenviar o trabalho modificado com as orientações do tutor, a entidade argumentou que a monografia foi examinada com isonomia e dentro das normas legais e acadêmicas. “As críticas impuseram exigências técnicas e metodológicas, mas não foram pessoais nem cercearam a liberdade de crença. O aluno agiu com prepotência e descaso com os professores, a coordenação do curso e a própria academia em geral”, argumentaram.
O curso A. C., por sua vez, sustentou que, sendo um franqueado, “obrigou-se apenas a fornecer o ambiente e os equipamentos necessários para que o aluno frequentasse as aulas, pois aprovar ou reprovar cabe à U.”. A instituição pediu que a ação fosse julgada improcedente.
A L. G. Cursos defendeu que a questão de fundo, na demanda, era a diferença entre religião e ciência, que, por definição, não poderiam ser misturadas. “O autor parece crer na possibilidade de se fazer ciência por meio da religião, mas, com todo o respeito, essa visão é equivocada. A leitura da monografia mostra que ele foi intransigente ao extremo na imposição de um tema religioso nos projetos de pesquisa apresentados”, afirmou.
Para a empresa, não há problema no fato de o recurso administrativo ter sido julgado pelo próprio orientador, pois isso estava previsto nas normas que regulam o curso. A L. G. também sustentou que o estudante não provou ter sofrido dano moral: “Muito pelo contrário, os e-mails dele manifestam um comportamento irredutível”.
Sentença e apelação
Em junho de 2012, o juiz Luiz Guilherme Marques, da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora, com base no depoimento de testemunhas e no parecer dado por dois peritos (um da área de teologia e outro da área de direito), entendeu que as instituições de ensino não cometeram qualquer ato ilícito ou irregularidade. Quanto aos danos morais, o magistrado não encontrou nos autos provas concretas de sua existência.
“O aluno foi orientado a fazer correções na sua monografia e não o fez. No meu sentir, os professores não questionaram o ensinamento religioso, mas a metodologia e as características do trabalho”, afirmou. Além disso, o texto não foi analisado apenas pelo tutor, mas também pela coordenação do curso, que chegou à mesma conclusão. “A reprovação da monografia não pode ser simplesmente anulada sem que o aluno tenha cumprido as condições necessárias estabelecidas pela instituição para a aprovação, o que, infelizmente, não ocorreu”, completou.
O servidor público recorreu no mês seguinte.
Para os desembargadores Alberto Henrique, Luiz Carlos Gomes da Mata, e José de Carvalho Barbosa, a sentença não merecia reforma, pois as críticas à monografia foram justas e a discriminação por crença religiosa não ficou demonstrada.
“Na perícia ficou provado que o projeto não tinha um marco teórico pertinente nem atendia aos objetivos traçados. Não há como acolher a pretensão de que o estudante seja declarado especialista, pois os peritos chegaram à mesma conclusão dos responsáveis pela análise do trabalho, a qual culminou com a reprovação do aluno”, esclareceu o relator Alberto Henrique.
Processo: 5358787-62.2009.8.13.0145
Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais – via: www.aasp.org.br